"Como funciona a sensibilização da célula na presença de corticosteórides?”
Essa pergunta foi feita no Watch N’ Ask ao grupo de Corticóides, e como se relacionava ao assunto de nossos futuros posts, decidimos juntar a resposta dessa pergunta ao conteúdo que ainda faltava ser apresentado de sensibilidade aos glicocorticóides. Por esse motivo, e para que a resposta seja fornecida de forma mais completa o possível, separamos a resposta em alguns posts complementares.
Os glicorcoticóides, como já dito em posts anteriores, são produzidos secretados pelo córtex adrenal e exercem um papel fundamental e diversos órgãos e sistemas, participando da regulação fisiológica e da adaptação a situações de “stress”. A concentração desse glicocorticóide circulante é regulada através do ajuste do eixo hipotalâmico (Hormônio Liberador de Corticotrofina/CRH) – hipofisário (Hormônio Adrenocorticotrófico/ACTH) – adrenal (produção propriamente dita de corticóides), influenciado por fatores como o ciclo ciadiano, o stress e o feedback negativo.
Já os Receptores Glicocorticóides (GR) são as moléculas que traduzem o sinal dos Glicocorticóides. Elas são proteínas citoplasmáticas, pertencentes à classe dos receptores nucleares, e atuam como fatores de transcrição, alterando a expressão de um gene alvo em resposta a um sinal hormonal específico. Sua atuação ocorre basicamente em três níveis: recrutando os fatores da maquinaria geral de transcrição, modulando a ação desses fatores (independentemente à ligação ao DNA) e modulando a estrutura da cromatina, permitindo a ligação de outras proteínas reguladoras ao material genético. Um fato interessante é que a regulação das concentrações de glicocorticóides por feedback negativo anteriormente citada ocorre pelo próprio hormônio glicocorticóide quando este interage com os receptores presentes no hipotálamo e na hipófise.
Agora, vamos aprofundar um pouco mais a respeito da estrutura desse receptor. Como já dissemos, o receptor glicocorticóide faz parte da classe dos receptores nucleares. Esta classe de receptores possui uma estrutura semelhante, formada por um domínio de ligação ao ligante hormonal, localizado na extremidade carboxi-terminal; um domínio de ligação central ao DNA, que compreende também o sítio de dimerização, posteriormente explicado; e um domínio de transativação na extremidade amino-terminal, responsável pela interação com os elementos de transcrição basal e com outros fatores de transcrição.
Uma característica diferencia o GR dos demais receptores nucleares é o fato de que ele, quando não ligado a glicocorticóides, encontra-se inativo no citoplasma, ao passo que os demais muitas vezes já se encontram, mesmo na ausência de um hormônio ligante, situados dentro do núcleo, em virtude da existência de um sinal de translocação nuclear existente em suas estruturas primárias. O que possibilita a estabilidade do GR no citosol é um complexo protéico formado a partir de chaperonas, mais especificamente duas moléculas de hsp90 e uma de hsp59. Estas tão importantes proteínas alteram a estrutura tridimencional do receptor, permitindo uma conformação que favoreça a ligação ao glicocorticóide. Logo após a associação ao hormônio, o receptor se dissocia das chaperonas, e o novo complexo se une a outro complexo semelhante, formando homodímeros.
A especificidade do GR, entretanto, deve-se à sua habilidade em reconhecer as sequências de ligação em genes-alvo, denominados elementos de resposta aos glicocorticóides (GRE). A ligação do complexo hormônio-receptor ao GRE é mediada pela já mencionada região do receptor denominada domínio de ligação central ao DNA. Esta região, assim como ocorre no domínio de ligação hormonal, apresenta uma elevada homologia entre todos os receptores nucleares, possuindo também uma estrutura bastante semelhante, formada por dois subdomínios denominados dedos de zinco. A estrutura secundária de cada um desses domínios é bastante conservada e mantida por nove resíduos de cisteína, dos quais oito interagem de modo coordenado, assumindo as formas tetraédricas separadas que permitem a ligação ao átomo de zinco. Os quatro resíduos de cisteína localizados em cada dedo ligam-se a uma molécula de zinco, permitindo sua ligação ao material genético.
A ligação dos GR aos fatores de transcrição ou às moléculas co-ativadoras é mediada pelo domínio de transativação. As moléculas de receptores apresentam pelo menos dois domínios de transativação, sendo um em sua extremidade carboxi-terminal e outro em sua extremidade amino-terminal. A principal função do domínio de transativação da extremidade carboxi-terminal é oferecer um equilíbrio sinérgico ao da outra extremidade (por esse motivo essa primeira região não foi citada anteriormente), otimizando a eficiência dos GR.
Como já mencionado, os GR ativados são capazes de atuar especialmente como homodímeros, ligando-se ao DNA em uma sequência específica de seis nucleotídeos (hexâmeros), denominada “half-sites”. Os receptores de hormônios esteróides em geral, com exceção do estrógeno, se ligam à sequência específica AGAACA. Seus homodímeros se ligam preferencialmente a duas sequências de hexâmeros orientadas em sentidos opostos (lembre-se que são duas moléculas de receptores e duas fitas em uma dupla hélice de DNA; enquanto um receptor se une a uma fita, o outro se une à complementar em um ponto diferente da fita complementar, obedecendo ao princípio de leitura 5’ à 3’, em que haja a mesma sequência específica já citada. Isso fará com que seja possível a leitura em sentidos opostos, uma vez que os receptores só lêem nesse sentido já comentado). Esse tipo de interação é denominada “repetições invertidas”. Outros receptores nucleares, como o receptor do hormônio tireoidiano, entretanto, ligam-se ao DNA na forma de heterodímeros. A interação desses heterodímeros com a molécula de DNA ocorre com as sequências de hexâmeros orientadas em mesmo sentido, sendo essa interação denominada “repetições diretas”.
O determinante primário da especificidade do reconhecimento dessas sequências se deve a um grupo de resíduos de aminoácidos localizados na base do primeiro dedo de zinco, no chamado Box P do domínio de ligação ao DNA. Os aminoácidos da base do primeiro dedo de zinco, adjacentes aos resíduos de cisteína, são críticos na definição da especificidade da ligação aos elementos responsivos. A função do segundo dedo de zinco ainda não está totalmente elucidada, mas acredita-se que ela auxilie na estabilidade da ligação da proteína ao DNA.
Em um próximo post discutiremos melhor quais são os mecanismos de ação hormonal em face da estrutura do GR.
Por Plínio Rodrigo Máximo Macêdo
Bibliografia:
Aspectos moleculares da sensibilidade aos glicocorticóides; Cláudia D.C. Faria; Carlos Alberto Longui; Laboratório de Medicina Molecular, Departamento de Ciências Fisiológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, SP
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